#1 – GENTE POBRE – LENDO DOSTOIEVSKI EM ORDEM CRONOLÓGICA |RESENHA|
- Ms. Eyre
- 9 de out. de 2020
- 3 min de leitura

Fyodor começou com o pé direito com Gente Pobre, escrito quando ele tinha apenas 24 anos. Esse romance que se passa em São Petersburgo foi muito bem recebido pela crítica, especialmente por ter sido reconhecido e recomendado pelo maior crítico literário da época — Belinski, que via essa obra como pioneira no surgimento do romance social no país e entendia que era obrigação da literatura retratar a realidade da sociedade russa. Ele reconheceu isso em Gente Pobre e, assim, Dostô ganhou fama e caiu na boca do povo!
Nossos heróis nessa história são Makar Diévuchkin e Varvara Alieksiêievna que se correspondem por cartas durante toda a história, fazendo desse um romance social epistolar. Vale mencionar que a grande maioria dos russos no século XIX vivia na linha da pobreza e a situação das nossas personagens não é diferente. Elas vivem em condições precárias, com dívidas, tragédias, escassos recursos, porém são bastante cordiais, preocupadas com os bons costumes, prezam por suas reputações, e, para evitar as más línguas, raramente se encontram apesar de serem vizinhas.
Ele é um funcionário de meia-idade, viúvo, porém sem filhos, que trabalha como copista numa repartição pública e ela é uma solteira jovem órfã, costureira que mora com sua senhoria. Lendo as correspondências entre eles, tenho a impressão de que Makar tem algum parentesco com Varvara, e que ele tem por ela muita estima e generosidade, agindo como um protetor, tirando parte do pouco que tem para oferecer a ela seja em dinheiro ou em pequenos mimos, mesmo faltando dinheiro para o aluguel de seu quartinho na cozinha. Ele escreve a ela sempre abrindo seu coração (nem sempre descrevendo os reais problemas que passa — porém cheio de carga sentimental) escrevendo da forma mais “estilosa”, como ele mesmo diz, usando de palavras muito amorosas, (o que me fez pensar que a ama) e é do discurso dele que encontrei crítica social mais direta. Varvara também mostra um grande carinho por Makar, busca ajudá-lo como pode e, tenta na medida do possível, corresponder na velocidade e volume que deixam Makar feliz.
As cartas mostram tanto o que as personagens estão vivendo no momento, como situações que enfrentaram no passado. Inclusive, (minha parte favorita do livro) Varvara recorda o tempo que morava numa pensão com a mãe e os importantes momentos de transformação que ela vivenciou nesse período. Confesso que achei difícil segurar as lágrimas nessa parte e foi nesse momento que percebi que o autor, mesmo descrevendo os personagens minimamente, conseguia trazer uma carga gigante de personalidade e vida a eles, me fazendo conhece-los tão bem a ponto de quase sentir o que nossos heróis estão passando, seja pelo que é descrito, como pelo que subentendemos por eles.
Não consegui decidir se o cuidado de Makar é de um profundo amor paternal ou se há nele um sentimento romântico por ela, porém acredito que isso não desmerece a dedicação que ele demonstra por alguém que, como ele, carece de esperança por uma vida mais digna, que busca no meio da sua insignificância perante aquela sociedade cuidar de alguém também insignificante e que, simplesmente por serem pobres, precisam aceitar o caminho que a vida lhes entrega.
Essa obra é simples de ler com uma complexa crítica a desigualdade, um profundo retrato da lealdade, cumplicidade e nobreza de caráter dos menos abastados, numa sociedade com rasa compaixão aos pobres e grande apreço ao que é descartável, fazendo dessa obra tão atual quanto em 1846.
- “O mistério da existência humana não reside apenas em permanecer vivo, mas em encontrar algo pelo que valha a pena viver” –
- Dostô -
E você, o que achou da obra? :D
Essa minha primeira experiência com Dostoievski foi algo de completamente novo para mim. Mas da vontade de ler todas as obras dele, e agora entendo porque você esta lendo todo :-)